Foi preciso muitos anos de treinamento para chegarmos à perfeição dos contos de fadas, foi preciso nos voltarmos para civilizações ancestrais, totalmente livres dos desmandos ocidentais, cristãos e burgueses para podermos ver um mundo diferente, uma sociedade, uma sociabilidade e religiosidade menos apegadas a valores capitalistas como a propriedade e a hierarquização marcada pela divisão social do trabalho e de gênero.

Mas há muito mais beleza nessa linda história. A mulher é exaltada à condição de elo que une a natureza e seu povo, nada daquela visão cristã machista da mulher responsável por manter a família nuclear burguesa unida, mesmo sendo violentada de diferentes formas por seu dono/marido. Nada disso! As mulheres em Motunui mantêm o povo coeso, trazendo de volta sua história, mantendo vivo o legado de seus ancestrais e estabelecendo o diálogo entre o passado, presente e futuro, entre o terreno e o sagrado. A mulher jovem (Moana), a mulher madura (sua mãe), a mulher idosa (sua avó) e a mulher divina (Te Fiji) retomam a importância da ancestralidade, reforçam os elos rompidos pelo medo e pela falta de amor.
Toda a trama se desenvolve em torno do fato de que o coração de uma divindade feminina, chamada Te Fiji, foi roubado por um semideus que queria presentear a humanidade com a capacidade infinita de criação e cura. Mas a ira dessa divindade coloca em risco todo o mundo, pois, aparentemente, uma mulher não é capaz de liderar sem um coração!
Antes que as feministas se levantem e queiram queimar os estúdios Disney, saiba que esse coração, nada tem a ver com a bobagem machista ocidental da mulher “feita apenas para amar, para sofrer pelo seu amor [um homem qualquer] e pra ser só perdão”. Trata-se de um coração ligado à ancestralidade, ao amor pelo seu povo, por seus iguais, pela natureza e tudo que é sagrado no mundo. O filme nos mostra que somente uma mulher é capaz disso, de gerar a vida, mesmo quando está em meio ao caos e sofrimento criado por homens confusos e sem qualquer conhecimento do amor, por ter sido privado dele a vida toda. Mais do que isso, o filme mostra que o amor, materializado na figura feminina, é capaz de restaurar o elo com esse homem, por meio da restauração de seu coração e, desse modo, religar-se à natureza sagrada.

Equilíbrio, ancestralidade e muito amor é a receita para essa linda história de todas nós!
Adorei...já deu vontade de assistir o desenho....parabéns pela crítica e principalmente por mostrar essa visão diferenciada.
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