quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Aquarela...

Quando é que vai parar de doer?
Essa era a pergunta que não lhe saía da cabeça.
Quando pararia de reviver aquilo que nunca aconteceu?
Até quando iria repassar em sua mente e em seu coração as lembranças de um amor que só existiu pra ela?
Esquecido ou talvez jamais lembrado ou vivido pelo outro lado, o outro a quem se destinou tanta paixão.
E afinal porque era preciso ter um outro?
Porque não podia ficar com seu sentimento só pra si?
É como se tudo tivesse se espatifado contra um muro de indiferença que sempre esteve lá, altivo e implacável diante de seus olhos, mas ela não queria ver, apenas enxergava os belos desenhos aquarelados que ilustravam uma existência idílica e fascinante como ela sempre sonhou.
E esses sonhos foram sendo pintados um a um, com as cores fortes da paixão. O beijo ardente e intenso, calmo e profundo que incendiava sua alma, passando antes por todo o seu corpo que palpitava por cada pedacinho de seu outro, seu outro eu, sua outra metade, ali diante dela, dentro dela, confundido com ela, grená, rubro, vermelho, carmim, escarlate sangrou o cinza endurecido daquele muro e o fez ferver de dor e delícia.
Sob esse calor escaldante ela já previa que a intensidade das cores não permaneceriam, mas em seu delírio reconfortante o escarlate agressivo se tornaria um rosa calmo e límpido, marchetado de lilazes e amarelos suaves e tranqüilos como deve ser o amor, mas de tempos em tempos ou há espaços do grande mural de seus sentimentos vibrariam com uma rajada de vermelho vivo, de desejos e paixões intensas.
Aos poucos o quadro de sua linda história de amor ia se formando diante dela, ainda mais colorida e vibrante do que poderia imaginar e mais devastadora também. Cada dor doía mais forte, cada decepção cortava mais fundo e tudo era pra sempre. Ela experimentava a eternidade a cada dia sem notícia, a cada atitude indiferente, a cada embotamento do desenho lindo de suas esperanças, construídas sobre a indiferença do outro que ela julgou conhecer tão bem e se propôs a amar tanto.
Sim, toda a sua felicidade estava esboçada sobre uma tela frágil e com material precário, mas para ela era uma obra-de-arte, a construção de uma vida. Porém sua grande obra não sobreviveu à reação do cinza, obscurecido pela alegria e agitação das cores de seus sentimentos empenhados para a felicidade de seu outro, a indiferença plúmbea surge em uma borrasca devastadora e transforma sua felicidade em um longo rio multicolorido de sentimentos confusos e atordoantes que agora a acompanham e tentam reencontrar seus lugares...
Mas que lugares? Onde? Em quem? Nela? Nele? Dela? Dele?
Como reconstruir essas fronteiras? Como delimitar um ela, depois de tanto tempo sendo um nós único e perfeito?
Decide deixar as cores se fundirem mais e mais, navegar no rio perigoso e violento dessas sensações e deixá-las dominar os espaços, todos os espaços em que seja possível sentir, em que seja preciso amar.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Não vou falar baixo!!!

Não vou falar baixo
Por medo de ficar sozinha
Não vou falar baixo
Por medo de ser taxada
Histérica, passional, instável...

Tudo isso e mais
Um pouco...
Que você não vê
Que você não sente
Um pouco
do ente quente e úmido
Que você ignora

Um pouco mais de fogo
Um pouco mais de lodo
Um pouco mais de dor
Um pouco mais sabor
Um pouco mais ardor
Um pouco mais amor
Um pouco mais sentir
Um pouco mais saber
Um pouco mais beber

A vida que me tiraram
O conhecimento de que me privaram.
Vomitar a beleza que me impuseram
O comportamento em que me prenderam
A coisa sem ação, sem sangue ou paixão
O viver, o conhecer, o embelezar
O sentir, o chorar, o sofrer, o amar
Sem dor e sem cor
Preso pelos grilhões do pudor

Viver, conhecer, embelezar,
Sentir, chorar, sofrer e amar
Agir, finalmente agir
Na escuridão de um sofrimento antigo
Assustador e fascinante
Escuro e lindo como a noite

Agir finalmente
Sem sujeito,
Uma sujeita apenas
Sujeita toda a tudo e a todos

Pois que venham!

Derrubaremos os feMININOS
E construiremos o feMULHER

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Tédio...

Cansada!
Cansada de trabalhar, de pensar, de viver, de sofrer, de amar
Cansada!
Cansada do carinho, do afeto, das paixões
Cansada!
Cansada da luta, das dores, do sofrimento
Cansada!
Cansada, enfim, cansada...
Não quero mais falar
Cansei!
Não quero mais amar
Cansei!
Não quero mais querer
Cansei...

domingo, 2 de outubro de 2011

A beleza de se saber mulher


Hoje me sei mulher,
Hoje sinto minhasnossas dores
Levadas por um rio de lágrimas acres e rubras
Esvaindo-se da mesma forma que vieram
Fluidas, lancinantes e vorazes
Atacadas e arrastadas pela força de nossos corpos
Sonhos, desejos, estigmas e tabus
Que fluem e fecundam o horizonte devastado de nossos sonhos.
Arrancando tudo que é indiferente, vazio e fraco
Arrancando pela raiz as ervas daninhas plantadas por alma falaz.
Arrancando o fruto, fraco e magro de semente ruim
Por tanto tempo nutrido por nossa paixão,
Por essa força que nos move 
E motiva
E maltrata 
E machuca
E mostra
E impõe 
E diz a que veio
E quem pode ficar.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Mais uma sobre as cotas...



 Algumas coisas sobre o argumento absurdo que está rolando contra as cotas. Peço para que o grande gênio que a criou preste atenção nessa lista... só tem um brasileiro que é um jogador de futebol. Os outros são, todos de países como os EUA que já tiveram políticas de reparação histórica para combater os danos causados por sua história de racismo e opressão. Pq o Brasil precisa de cotas?? Primeiro pq não é só o Brasil que precisa de cotas, qq país que tenha se erguido sobre séculos de exploração de um povo precisa reparar isso, até mesmo para poder crescer. Prova disso é a listinha mal utilizada que vc apresenta.

Os EUA, para citar apenas um dos países que aparecem aí, tiveram os maiores representantes do movimento negro e as principais organizações de luta contra o racismo, as consequências dessas lutas e do investimento estatal para minorar esses danos podem ser vistos aí... Um país onde, até os anos 1970, os negros sequer eram considerados seres humanos, hoje tem um negro em seu cargo mais importante.

Leiam sobre como isso aconteceu... os negros norte americanos, certamente não ficaram sentados acreditando no argumento das mídias vendidas e brancas que diziam e dizem, o tempo todo, que "quem quer consegue" eles se entendiam como seres humanos capazes, porém lesados em sua formação, usurpados em sua história, língua, cultura, marginalizados econômica e socialmente, ou seja, sempre tratados como diferentes, inferiores, e quando seres humanos, seres humanos piores.

Ora, se em toda nossa história sempre fomos tratados de forma diferente, pq no momento de tentar igualar a situação temos que ser tratados como iguais? Taí uma questão polêmica pra se discutir... Outra Pq quando tentamos erguer nossas bandeiras de luta, reivindicar nossas causas antes precisamos pensar em todos os outros setores da nação?? Vamos melhorar o ensino de base!! - vocês gritam...

Enquanto isso nossa juventude é massacrada pela polícia, tem sua auto estima esfacelada pela mídia, um verdadeiro genocídio dos jovens negros do Brasil que poderiam ser nossos futuros presidentes, atores, pilotos, jogadores do quer que seja, apresentadores, físicos, etc.

E o que temos a propor a esses jovens "espero pois nós vamos investir na educação de base, coisa que vimos tentando há algumas várias décadas, mas um dia seus bisnetos talvez consigam ter oportunidade de competir em pé de igualdade com jovens brancos que não tiveram a formação deficiente da escola pública, nem tiveram que suportar os efeitos do racismo em seu cotidiano escolar" (o que para quem não sabe é um dos motivos que levam muitos jovens negros a abandonar a escola).

Sim!! Façamos essa proposta para nossos jovens e a classe média branca ainda vai ter que usar muitos argumentos fracos, como essa lista de negros bem sucedidos de países que investiram em seus negros, para justificar a condição de subalternidade de nossos negros brasileiros.


O documentário da BBC sobre racismo aponta de maneira irrefutável o caráter do racismo brasileiro "vivemos um apartheid sem as leis do apartheid", sim é isso que se passa aqui. Porque no Brasil ainda se precisa de cotas? Por que aqui ainda insistimos em explicar a maioria negra em presídios, favelas, subempregos, submoradias, com as produções culturais menos valorizadas, com os piores atendimentos públicos, com uma participação mínima em Universidades públicas ou em cargos de maior relevência econômica na sociedade... simplesmente com o argumento, absolutamente racista, de eles são porque são ou que quem quer consegue, então  3 ou 4 nomes de negros de sucesso (se é que é possível fazer isso sem pensar pelo menos 5 minutos) e dissemos que isso é igualdade de oportunidade, promovida por nosso histórico de igualdade racial.

E enquanto isso o Brasil continuará sendo o país do futebol...
Da pobreza, da miséria, do abandono, do racismo, da alienação...

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Capão Pecado... A marcha fúnebre prossegue mesmo!!!

Acabei de ler Capão Pecado

Imagens que não me saem da cabeça... os óculos e a revista em quadrinhos do lado do travesseiro e o desejo de ler o cara chamado Drummond...

Como amante do rap que sou, não pude deixar de ver diversos versos que tantas vezes ouvi nos raps nas páginas de Capão Pecado. Ferréz deixou mais que claro que caixão lacrado não estimula verso alegre. A beleza de sua obra não está no final feliz, nem no cenário florido e no romance meloso e insosso com os quais estamos habituados, quem espera encontrar esperança nessas páginas nem precisa abrir o livro, porém se você quer verdade, sinceridade, lirismo e muita dor, divirta-se se puder....

Como é possível ler algo que não lhe diz nada de novo e ainda assim ficar com uma angústia incontrolável, um gosto amargo na boca... É assim que estou me sentindo após ler Capão Pecado, no livro, como muitos já disseram Ferréz apresenta um quadro nítido da realidade de uma das regiões mais violentas e, obviamente, pobres do país, o Capão Redondo na zona sul de São Paulo.

Não conheço o Capão, mas de periferia eu entendo bem. E quando falo em periferia, não me refiro ao conceito geográfico da coisa, como aquilo que está no entorno do centro ou afastado, sei lá... Estou usando o sentido do rap, a leitura do rap da definição geográfica. Sim a periferia está longe do centro, longe economica e culturalmente, pois sua cultura é considerada tão pobre como aqueles que a produzem, longe em qualidade de vida, longe, longe, longe. Mesmo estando pertinho, ao lado, separado ‘apenas’ por uma muralha de prédios e condomínios de luxo e por policiais fazendo hora extra como segurança. Capão Pecado surge como uma grande alegoria do dia a dia nas periferias das grandes cidades separadas, distanciadas, mas não excluídas, ligadas por uma ponte de exploração e deveres dissonantes com os direitos, inexistentes da ponte pra cá, sobra apenas o sonho de poder sobreviver a mais esse dia.

É Ferréz! Eu entendi que o mundo é beeeeem diferente da ponte pra cá... também tô desse lado e engrossava o coro dos que condenavam severamente a indiferença da elite para as dores dos nossos, passar por um mendigo e quase pisar na cabeça do coitado sem sequer perceber sua presença, é isso aí... cheira esgoto atrás da champanhe francesa e no castelo de Caras é podre a realeza!!! Pode crê!!

Mas a triste conclusão a que chegava “não há novidade alguma aqui pra mim!” me matava um pouco mais a cada página do livro, isso porque ao fim e ao cabo a grande e terrível novidade/revelação do livro é que eu também sou do clubinho dos que não se surpreendem mais com a situação desgraçada em que vive meu povo, exceto quando a TV anuncia sangue e morte como se meu bairro, minha quebrada, meus mano fossem um monte de fruta numa feira, no fim da feira e eu ia lá comprar esse monte de lixo e jogar devolta na cara da playboyzada como se eu não fosse parte daqueles restos.

Dá pra entender a situação?? Foi triste ter certeza de que já vi tudo aquilo acontecer com familiares, amigos, visinhos, conhecidos, conhecidos de conhecidos, enfim tudo isso acontece o tempo todo à minha volta e nem sei se já havia me dado conta de como tive sorte até esse momento. Aqui estou eu, 28 anos contrariando a estatística e percebendo que meu mundo está em ruínas e eu nada fiz para mudar ou mostrar isso. O que eu vi é que a minha revolta contra a guerra civil na qual estamos vivendo não olhava pela janela, preferia ler nos livros as verdades que estavam estampadas na minha frente. Por sorte fiz uma boa escolha agora e li um livro de alguém que realmente sabe do que está falando.

Valeu Ferréz, por me fazer abrir a janela!!! .

Por me mostrar uma faceta tão cruel da realidade da nossa miséria: tudo é muito natural! Sim não comuns os assassinatos violentos, é normal um filho não poder segurar a mão do pai morto porque tem que esperar a perícia e o IML chegarem, a hora que quiserem clarooo. Não há apelação nos relatos, exageros ou máscaras, de fato a violência, a criminalidade, o sofrimento fazem parte da vida dessas pessoas, assim como o oxigênio ou a fome. Porém elas continuam sendo pessoas, embora por vezes a gente esqueça ou mesmo se recuse a incluir ‘qualquer um’ nessa categoria. São pessoas que sofrem, sem entender bem porque, afinal “a vida é assim mesmo, Deus sabe o que faz!” e essa certeza faz com que a dor e o sofrimento diante de tanta desgraça sejam escondidas, guardadas no fundo do peito e reservadas para o travesseiro ou a oração de antes de dormir.

Mas nem todos aceitam, nem todos abafam seus sentimentos, sua confusão, muitos se revoltam, se levantam contra o sistema, mas ao pegar a uzi, poucos sabem dizer quem tem que morrer. E assim a periferia está se matando, a limpeza étnica com a qual nossa elite branca e nazista sempre sonhou vem sendo feita ardilosamente, sem que nenhum senhor de engenho suje suas delicadas mãos. Estamos nos matando para manter seus altos padrões de vida, sendo explorados e humilhados até não podermos mais agüentar e começarmos a agir como os animais que sempre disseram que somos.

Como romper esse ciclo do mal?? Aí é conversa para outros muitos posts, mas enquanto isso Adolf Hitler continua sorrindo no inferno!!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A patrulha da língua vem aí!!!!

Mais uma investida da classe média preconceituosa, burra e mal informada tentando prestar outro desserviço à sociedade oferecendo leituras desencontradas e manipuladas de fatos pensados e discutidos por pessoas preparadas. Estamos diante de uma situação extrema, quase estado de calamidade pública, pois, aparentemente estão atentando contra a nossa pura e imaculada, inculta e bela língua portuguesa. O pânico generalizado se instaurou com a publicação do livro “Por uma vida melhor” de Heloísa Ramos, patrocinado pelo MEC e que, segundo “especialistas” ensina um português errado aos alunos. Aparentemente a histeria se baseia apenas na afirmação da autora de que não é errado deixar de marcar o plural em todos os termos da oração, por exemplo, os “bons drink” de Luisa Marilac hahaha. Mas afinal é errado ou não? ? Uma observação casual de uma conversação informal pode responder à questão.

Não marcar o plural em todos os termos da oração, como o faz Luisa, não é simplesmente uma variedade do português FALADO, é antes uma CARACTERÍSTICA da língua portuguesa falada no Brasil. Não acredita?? Faça o teste, tente falar naturalmente, "os livros emprestados", talvez no Rio de Janeiro essa característica seja mantida, um pouco mais, devido à ênfase típica do sotaque carioca na fricativa /s/, porém em quase nenhuma variedade do português essa marcação é feita. Além disso, se os histéricos defensores da norma seja lá o que for tivessem respirado fundo, mantido o Olavo Bilac debaixo do braço e lido o livro até o final, perceberiam que ele não se furta a ensinar a norma culta. Aliás, aqui o debate vai além, ou seja, discute também outras variedades da língua, o que é mais que frutífero para o enriquecer ainda mais a história de nossa língua portuguesa “tupinambrasileirada”, na medida em que é sua riqueza e diversidade que nos permite oferecer igual riqueza e diversidade artística e cultural relacionada à língua escrita, por exemplo, as letras de rap, os grafites, os cordéis, os desafios de rimadores no nordeste, o samba... poderia citar inúmeros exemplos aqui, mas sei que bons puristas não levam em consideração produções "menores" como as que eu citei, algo quase primitivo feito para olhar e se por acaso passar pela cabeça doente do MEC incluir esse tipo de bobagem ignorante no material didático deve ser apenas para termos certeza do que NÃO fazer no que se refere à arte e literatura, certo? ? ?

Pois bem, então falemos de outros momentos, de outros desvios, de outros “crimes linguísticos” que todo purista conservador adooooooooora: João Guimarães Rosa, todos os poetas do modernismo, Patativa do Assaré, Adoniran Barbosa, enfim, também poderia passar um bom tempo aqui listando outros criminosos, que atentaram contra a última flor do Lácio, pobrezinha... Esses artistas hoje venerados pela crítica que por vezes os criticou com os mesmos argumentos que hoje apresentam contra a utilização do material lançado em salas de EJA. Uma iniciativa corajosa e inovadora de luta contra uma forma de preconceito das mais perniciosas, duras e burras, pois se essa “patrulha da língua” tivesse sucesso, hoje não poderíamos contar com esse legado de conhecimento e beleza construído a partir da liberdade que a língua tem e sempre terá, a despeito dos hipócritas de plantão que, certamente, se esbaldam de tanto comer ss por aí...

Lembro-me sempre da proposta de um professor para um novo programa de televisão, um reality show que juntasse toda essa galera da “patrulha da língua” para vermos por quanto eles sustentariam sua língua matemática, lógica, estanque e imutável... Não meus queridos, ensinar língua não é como ensinar tabuada, o português é nossa língua materna, é como dizemos “Te amo”; diga “Amo-te” à pessoa amada e veja a reação, veja se alcança o mesmo efeito de sentido. Grite “Somos nós!!!” para uma câmera de televisão após fazer um gol e veja se é possível se fazer entender... Acho que não, pois dita dessa forma essa é uma expressão errada, pois carece de um predicativo do sujeito, não há possibilidade de sentido aí, porém um bom “É nóis!!!!!” após um belo gol é uma expressão carregada de sentido, completa em si. Porém as comunidades discursivas que a utiliza não está preocupada com essas classificações, estão, como todos nós também deveríamos estar, voltadas para a produção de sentidos, para a comunicação e, claro, a arte.


Perceberam que acabei de dar uma aula de gramática usando o “crime” a que vocês se referiram, apontando possibilidades para as duas construções – “somos nós” e “é nóis”, mostrando seus lugares e usos ao invés de simplesmente taxar o que é o certo ou o errado? Contextualizando!!! Ensinar uma língua materna passa por mostrar suas possibilidades, sua flexibilidade e criar meios para que os jovens possam transitar por esses caminhos com propriedade e independência.

Só para terminar, um discursinho de autoridade

Aula de português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

(Carlos Drummond Andrade)


A brincadeira continua... mas agora a coisa tá preta!!!

Aposto que a negrada toda ficou muito feliz ao descobrir que teríamos, finalmente, um casal negro, bem sucedido, da alta sociedade e juntos!!! No horário nobre da toda poderosa Rede Globo de televisão!!! Bem, eu fiquei feliz demais, pensei: agora a coisa vai, agora sim os negros desse país vão perceber que não PRECISAM de relações interraciais para serem felizes, vão valorizar a beleza negra, o amor negro, a família negra!! Sem as caricatices que já aconteceram antes, em tentativas mais que frustradas de inserir o negro nesse tipo de produção cultural, como nos mostra o documentário A negação do Brasil.

Enfim, acreditei que dessa vez seria diferente. Doce ilusão!! Nada mudou!! Ou melhor, mudou sim e pra pior. A terrível política de branqueamento que nos cega desde a abolição, mas que ainda não conseguiu atingir a meta idealizada pelos eugenistas de plantão, hoje ganha um aliado de peso: a toda poderosa Rede Globo de televisão!!! A importância da mídia na sociedade contemporânea desperta a curiosidade de muita gente, mas a maioria não percebe o perigo do tipo de “condicionamento” ideológico que produções como as novelas proporcionam. Entendo a luta de atores e atrizes negr@s para tomar esse espaço, porém agora que estamos lá devemos nos perguntar a que viemos, qual o nosso papel e nossa contribuição para as lutas históricas de nossos irmãos e irmãs.

A atual novela da nove é o foco dessa discussão, para quem não sabe o nome da novela é Insensato Coração, imagino que muitos não saibam, afinal não vale a pena perder tempo com “esse tipo de coisa”. Quero apenas lembrar que é “esse tipo de coisa” que nosso povo assiste e por vezes é somente daí que tiram opiniões e informações sobre as polêmicas atuais, como homossexualidade, drogas, gravidez na adolescência e muitas outras, inclusive questão racial que é o tema que tem me incomodado no momento. Em Insensato Coração Camila Pitanga é Carol uma empresária de classe média alta apaixonada por André (Lázaro Ramos) do mesmo nível social que ela, talvez mais rico e ambos negros. Mas ele é um garotão, que vive em uma busca incessante por auto-afirmação através de suas conquistas; mulheres com quem ele quer apenas sexo, na grande maioria das vezes, mulheres brancas.

Não quero parecer paranóica, mas desconfio que esse tipo de homem negro alegraria muito estudiosos como Nina Rodrigues, manter a idéia de que os negros não tem possibilidade de manter uma relação “saudável” dentro da nossa sociedade é mais que conveniente para manter certos lugares sociais, ele está na classe média, mas preserva seu primitivismo selvagem ancestral. E arrematar o debate jogando a mocinha enganada e abandonada pelo canalha negro nos braços de um homem branco responsável, amável, dedicado à família, seguidor dos valores cristãos, enfim, um mocinho da Globo, traz a solução perfeita para a questão: os negros conseguem se inserir na sociedade e até na alta sociedade, porém não sozinhos, não apenas entre eles, é necessário um branco para apresentar os verdadeiros valores de uma família cristã burguesa, clarear a família né...

Eu poderia dizer que é praticamente uma releitura d’O Guarani, se o mocinho em questão não estivesse na terceira idade. Obviamente a mocinha negra não ficou com o galã branco, jovem, bonitão, fiel, de bom caráter, perfeito, maravilhoso e absolutamente fora da realidade, no caso Pedro Brandão (Eriberto Leão)... Não!!! Esse fica com a loirinha frágil e delicada Marina Drumond (Paola Oliveira), para Carol sobra o pai do mocinho, olha que beleza!!! Bonita, rica, inteligente, descolada, o retrato da mulher moderna, independente, que assumiu uma gravidez mesmo sem a participação do pai – o irresponsável amante negro – para realizar seu sonho de ser mãe. Essas são as características de Carol que vive um romance com Raul (Antônio Fagundes) um homem quase idoso, com idade para ser seu pai.

Isso porque ela percebe a impossibilidade de manter um relacionamento com André (Lázaro Ramos), a quem ela de fato ama. Sabemos que as novelas obedecem ao gosto do público e conhecendo meu povo como imagino que conheço, aposto que todos estão adorando ver a mocinha encontrar o verdadeiro amor nos braços de um homem de verdade, então o que vai acontecer com esse amor por André??!! Elementar... o que negros sentem, o que sempre sentiram não é nem nunca foi amor, esse é um sentimento humano demais, branco demais para eles que tem é instinto, mais adequado à sua espécie, tesão, impulso sexual, apenas. Sem tentar ser futurista, mais como uma novelista de plantão, vou tentar imaginar os rumos dessa história... a não ser que haja uma reação forte por parte do movimento negro, logo veremos Carol se abrindo a sua amiguinha branca Marina sobre como foi boba em pensar que aquela paixãozinha vazia que sentia por André poderia ser algo mais. Agora que ela tinha um homem de verdade tudo ficou muito CLARO.

Mas não acaba por aí... Enquanto a mocinha jovem se delicia com o idoso (ou o contrário...); o mocinho de 30 e poucos se envolve com a adolescente rebeldezinha, sim... um romance se anuncia na vida de André, uma garotinha de uns 19 anos talvez está balançando o coração do rapaz, podemos chamá-lo assim por se tratar de um homem negro, eles jamais crescem, não pela sua idade... mas convenhamos, o que é essa onda das novelas?? Não existe mais vida sexual ou amorosa para as mulheres com 40 anos ou mais. A moda agora é que os homens maduros precisam de mulheres mais novas, ou melhor, as mulheres mais jovens precisam de um homem que as protejam. O mais engraçado é o horror da sociedade diante da pedofilia, mas será mesmo que ainda ficam horrorizados ou é melhor aceitar que as meninas andam muito saidinhas hoje em dia e homem... você sabe como são os homens...

Como era mesmo a regra do islã para o homem escolher a sua esposa?? A metade da sua idade menos sete anos, é isso?? Ainda bem que somos um país avançado onde as mulheres são respeitadas e tratadas como iguais... Não posso deixar de lembrar das palavras de Tom Zé nessas horas...

Em muitos países do mundo a garota
Também não tem o direito de ser.
Alguns até costumam fazer
Aquela cruel clitorectomia.

Mas no Brasil ocidental civilizado
Não extraímos uma unha sequer,
Mas na psique da mulher...
Destruímos a mulher.

(Proposta de amor)