sexta-feira, 20 de maio de 2011

Capão Pecado... A marcha fúnebre prossegue mesmo!!!

Acabei de ler Capão Pecado

Imagens que não me saem da cabeça... os óculos e a revista em quadrinhos do lado do travesseiro e o desejo de ler o cara chamado Drummond...

Como amante do rap que sou, não pude deixar de ver diversos versos que tantas vezes ouvi nos raps nas páginas de Capão Pecado. Ferréz deixou mais que claro que caixão lacrado não estimula verso alegre. A beleza de sua obra não está no final feliz, nem no cenário florido e no romance meloso e insosso com os quais estamos habituados, quem espera encontrar esperança nessas páginas nem precisa abrir o livro, porém se você quer verdade, sinceridade, lirismo e muita dor, divirta-se se puder....

Como é possível ler algo que não lhe diz nada de novo e ainda assim ficar com uma angústia incontrolável, um gosto amargo na boca... É assim que estou me sentindo após ler Capão Pecado, no livro, como muitos já disseram Ferréz apresenta um quadro nítido da realidade de uma das regiões mais violentas e, obviamente, pobres do país, o Capão Redondo na zona sul de São Paulo.

Não conheço o Capão, mas de periferia eu entendo bem. E quando falo em periferia, não me refiro ao conceito geográfico da coisa, como aquilo que está no entorno do centro ou afastado, sei lá... Estou usando o sentido do rap, a leitura do rap da definição geográfica. Sim a periferia está longe do centro, longe economica e culturalmente, pois sua cultura é considerada tão pobre como aqueles que a produzem, longe em qualidade de vida, longe, longe, longe. Mesmo estando pertinho, ao lado, separado ‘apenas’ por uma muralha de prédios e condomínios de luxo e por policiais fazendo hora extra como segurança. Capão Pecado surge como uma grande alegoria do dia a dia nas periferias das grandes cidades separadas, distanciadas, mas não excluídas, ligadas por uma ponte de exploração e deveres dissonantes com os direitos, inexistentes da ponte pra cá, sobra apenas o sonho de poder sobreviver a mais esse dia.

É Ferréz! Eu entendi que o mundo é beeeeem diferente da ponte pra cá... também tô desse lado e engrossava o coro dos que condenavam severamente a indiferença da elite para as dores dos nossos, passar por um mendigo e quase pisar na cabeça do coitado sem sequer perceber sua presença, é isso aí... cheira esgoto atrás da champanhe francesa e no castelo de Caras é podre a realeza!!! Pode crê!!

Mas a triste conclusão a que chegava “não há novidade alguma aqui pra mim!” me matava um pouco mais a cada página do livro, isso porque ao fim e ao cabo a grande e terrível novidade/revelação do livro é que eu também sou do clubinho dos que não se surpreendem mais com a situação desgraçada em que vive meu povo, exceto quando a TV anuncia sangue e morte como se meu bairro, minha quebrada, meus mano fossem um monte de fruta numa feira, no fim da feira e eu ia lá comprar esse monte de lixo e jogar devolta na cara da playboyzada como se eu não fosse parte daqueles restos.

Dá pra entender a situação?? Foi triste ter certeza de que já vi tudo aquilo acontecer com familiares, amigos, visinhos, conhecidos, conhecidos de conhecidos, enfim tudo isso acontece o tempo todo à minha volta e nem sei se já havia me dado conta de como tive sorte até esse momento. Aqui estou eu, 28 anos contrariando a estatística e percebendo que meu mundo está em ruínas e eu nada fiz para mudar ou mostrar isso. O que eu vi é que a minha revolta contra a guerra civil na qual estamos vivendo não olhava pela janela, preferia ler nos livros as verdades que estavam estampadas na minha frente. Por sorte fiz uma boa escolha agora e li um livro de alguém que realmente sabe do que está falando.

Valeu Ferréz, por me fazer abrir a janela!!! .

Por me mostrar uma faceta tão cruel da realidade da nossa miséria: tudo é muito natural! Sim não comuns os assassinatos violentos, é normal um filho não poder segurar a mão do pai morto porque tem que esperar a perícia e o IML chegarem, a hora que quiserem clarooo. Não há apelação nos relatos, exageros ou máscaras, de fato a violência, a criminalidade, o sofrimento fazem parte da vida dessas pessoas, assim como o oxigênio ou a fome. Porém elas continuam sendo pessoas, embora por vezes a gente esqueça ou mesmo se recuse a incluir ‘qualquer um’ nessa categoria. São pessoas que sofrem, sem entender bem porque, afinal “a vida é assim mesmo, Deus sabe o que faz!” e essa certeza faz com que a dor e o sofrimento diante de tanta desgraça sejam escondidas, guardadas no fundo do peito e reservadas para o travesseiro ou a oração de antes de dormir.

Mas nem todos aceitam, nem todos abafam seus sentimentos, sua confusão, muitos se revoltam, se levantam contra o sistema, mas ao pegar a uzi, poucos sabem dizer quem tem que morrer. E assim a periferia está se matando, a limpeza étnica com a qual nossa elite branca e nazista sempre sonhou vem sendo feita ardilosamente, sem que nenhum senhor de engenho suje suas delicadas mãos. Estamos nos matando para manter seus altos padrões de vida, sendo explorados e humilhados até não podermos mais agüentar e começarmos a agir como os animais que sempre disseram que somos.

Como romper esse ciclo do mal?? Aí é conversa para outros muitos posts, mas enquanto isso Adolf Hitler continua sorrindo no inferno!!

quarta-feira, 18 de maio de 2011

A patrulha da língua vem aí!!!!

Mais uma investida da classe média preconceituosa, burra e mal informada tentando prestar outro desserviço à sociedade oferecendo leituras desencontradas e manipuladas de fatos pensados e discutidos por pessoas preparadas. Estamos diante de uma situação extrema, quase estado de calamidade pública, pois, aparentemente estão atentando contra a nossa pura e imaculada, inculta e bela língua portuguesa. O pânico generalizado se instaurou com a publicação do livro “Por uma vida melhor” de Heloísa Ramos, patrocinado pelo MEC e que, segundo “especialistas” ensina um português errado aos alunos. Aparentemente a histeria se baseia apenas na afirmação da autora de que não é errado deixar de marcar o plural em todos os termos da oração, por exemplo, os “bons drink” de Luisa Marilac hahaha. Mas afinal é errado ou não? ? Uma observação casual de uma conversação informal pode responder à questão.

Não marcar o plural em todos os termos da oração, como o faz Luisa, não é simplesmente uma variedade do português FALADO, é antes uma CARACTERÍSTICA da língua portuguesa falada no Brasil. Não acredita?? Faça o teste, tente falar naturalmente, "os livros emprestados", talvez no Rio de Janeiro essa característica seja mantida, um pouco mais, devido à ênfase típica do sotaque carioca na fricativa /s/, porém em quase nenhuma variedade do português essa marcação é feita. Além disso, se os histéricos defensores da norma seja lá o que for tivessem respirado fundo, mantido o Olavo Bilac debaixo do braço e lido o livro até o final, perceberiam que ele não se furta a ensinar a norma culta. Aliás, aqui o debate vai além, ou seja, discute também outras variedades da língua, o que é mais que frutífero para o enriquecer ainda mais a história de nossa língua portuguesa “tupinambrasileirada”, na medida em que é sua riqueza e diversidade que nos permite oferecer igual riqueza e diversidade artística e cultural relacionada à língua escrita, por exemplo, as letras de rap, os grafites, os cordéis, os desafios de rimadores no nordeste, o samba... poderia citar inúmeros exemplos aqui, mas sei que bons puristas não levam em consideração produções "menores" como as que eu citei, algo quase primitivo feito para olhar e se por acaso passar pela cabeça doente do MEC incluir esse tipo de bobagem ignorante no material didático deve ser apenas para termos certeza do que NÃO fazer no que se refere à arte e literatura, certo? ? ?

Pois bem, então falemos de outros momentos, de outros desvios, de outros “crimes linguísticos” que todo purista conservador adooooooooora: João Guimarães Rosa, todos os poetas do modernismo, Patativa do Assaré, Adoniran Barbosa, enfim, também poderia passar um bom tempo aqui listando outros criminosos, que atentaram contra a última flor do Lácio, pobrezinha... Esses artistas hoje venerados pela crítica que por vezes os criticou com os mesmos argumentos que hoje apresentam contra a utilização do material lançado em salas de EJA. Uma iniciativa corajosa e inovadora de luta contra uma forma de preconceito das mais perniciosas, duras e burras, pois se essa “patrulha da língua” tivesse sucesso, hoje não poderíamos contar com esse legado de conhecimento e beleza construído a partir da liberdade que a língua tem e sempre terá, a despeito dos hipócritas de plantão que, certamente, se esbaldam de tanto comer ss por aí...

Lembro-me sempre da proposta de um professor para um novo programa de televisão, um reality show que juntasse toda essa galera da “patrulha da língua” para vermos por quanto eles sustentariam sua língua matemática, lógica, estanque e imutável... Não meus queridos, ensinar língua não é como ensinar tabuada, o português é nossa língua materna, é como dizemos “Te amo”; diga “Amo-te” à pessoa amada e veja a reação, veja se alcança o mesmo efeito de sentido. Grite “Somos nós!!!” para uma câmera de televisão após fazer um gol e veja se é possível se fazer entender... Acho que não, pois dita dessa forma essa é uma expressão errada, pois carece de um predicativo do sujeito, não há possibilidade de sentido aí, porém um bom “É nóis!!!!!” após um belo gol é uma expressão carregada de sentido, completa em si. Porém as comunidades discursivas que a utiliza não está preocupada com essas classificações, estão, como todos nós também deveríamos estar, voltadas para a produção de sentidos, para a comunicação e, claro, a arte.


Perceberam que acabei de dar uma aula de gramática usando o “crime” a que vocês se referiram, apontando possibilidades para as duas construções – “somos nós” e “é nóis”, mostrando seus lugares e usos ao invés de simplesmente taxar o que é o certo ou o errado? Contextualizando!!! Ensinar uma língua materna passa por mostrar suas possibilidades, sua flexibilidade e criar meios para que os jovens possam transitar por esses caminhos com propriedade e independência.

Só para terminar, um discursinho de autoridade

Aula de português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

(Carlos Drummond Andrade)


A brincadeira continua... mas agora a coisa tá preta!!!

Aposto que a negrada toda ficou muito feliz ao descobrir que teríamos, finalmente, um casal negro, bem sucedido, da alta sociedade e juntos!!! No horário nobre da toda poderosa Rede Globo de televisão!!! Bem, eu fiquei feliz demais, pensei: agora a coisa vai, agora sim os negros desse país vão perceber que não PRECISAM de relações interraciais para serem felizes, vão valorizar a beleza negra, o amor negro, a família negra!! Sem as caricatices que já aconteceram antes, em tentativas mais que frustradas de inserir o negro nesse tipo de produção cultural, como nos mostra o documentário A negação do Brasil.

Enfim, acreditei que dessa vez seria diferente. Doce ilusão!! Nada mudou!! Ou melhor, mudou sim e pra pior. A terrível política de branqueamento que nos cega desde a abolição, mas que ainda não conseguiu atingir a meta idealizada pelos eugenistas de plantão, hoje ganha um aliado de peso: a toda poderosa Rede Globo de televisão!!! A importância da mídia na sociedade contemporânea desperta a curiosidade de muita gente, mas a maioria não percebe o perigo do tipo de “condicionamento” ideológico que produções como as novelas proporcionam. Entendo a luta de atores e atrizes negr@s para tomar esse espaço, porém agora que estamos lá devemos nos perguntar a que viemos, qual o nosso papel e nossa contribuição para as lutas históricas de nossos irmãos e irmãs.

A atual novela da nove é o foco dessa discussão, para quem não sabe o nome da novela é Insensato Coração, imagino que muitos não saibam, afinal não vale a pena perder tempo com “esse tipo de coisa”. Quero apenas lembrar que é “esse tipo de coisa” que nosso povo assiste e por vezes é somente daí que tiram opiniões e informações sobre as polêmicas atuais, como homossexualidade, drogas, gravidez na adolescência e muitas outras, inclusive questão racial que é o tema que tem me incomodado no momento. Em Insensato Coração Camila Pitanga é Carol uma empresária de classe média alta apaixonada por André (Lázaro Ramos) do mesmo nível social que ela, talvez mais rico e ambos negros. Mas ele é um garotão, que vive em uma busca incessante por auto-afirmação através de suas conquistas; mulheres com quem ele quer apenas sexo, na grande maioria das vezes, mulheres brancas.

Não quero parecer paranóica, mas desconfio que esse tipo de homem negro alegraria muito estudiosos como Nina Rodrigues, manter a idéia de que os negros não tem possibilidade de manter uma relação “saudável” dentro da nossa sociedade é mais que conveniente para manter certos lugares sociais, ele está na classe média, mas preserva seu primitivismo selvagem ancestral. E arrematar o debate jogando a mocinha enganada e abandonada pelo canalha negro nos braços de um homem branco responsável, amável, dedicado à família, seguidor dos valores cristãos, enfim, um mocinho da Globo, traz a solução perfeita para a questão: os negros conseguem se inserir na sociedade e até na alta sociedade, porém não sozinhos, não apenas entre eles, é necessário um branco para apresentar os verdadeiros valores de uma família cristã burguesa, clarear a família né...

Eu poderia dizer que é praticamente uma releitura d’O Guarani, se o mocinho em questão não estivesse na terceira idade. Obviamente a mocinha negra não ficou com o galã branco, jovem, bonitão, fiel, de bom caráter, perfeito, maravilhoso e absolutamente fora da realidade, no caso Pedro Brandão (Eriberto Leão)... Não!!! Esse fica com a loirinha frágil e delicada Marina Drumond (Paola Oliveira), para Carol sobra o pai do mocinho, olha que beleza!!! Bonita, rica, inteligente, descolada, o retrato da mulher moderna, independente, que assumiu uma gravidez mesmo sem a participação do pai – o irresponsável amante negro – para realizar seu sonho de ser mãe. Essas são as características de Carol que vive um romance com Raul (Antônio Fagundes) um homem quase idoso, com idade para ser seu pai.

Isso porque ela percebe a impossibilidade de manter um relacionamento com André (Lázaro Ramos), a quem ela de fato ama. Sabemos que as novelas obedecem ao gosto do público e conhecendo meu povo como imagino que conheço, aposto que todos estão adorando ver a mocinha encontrar o verdadeiro amor nos braços de um homem de verdade, então o que vai acontecer com esse amor por André??!! Elementar... o que negros sentem, o que sempre sentiram não é nem nunca foi amor, esse é um sentimento humano demais, branco demais para eles que tem é instinto, mais adequado à sua espécie, tesão, impulso sexual, apenas. Sem tentar ser futurista, mais como uma novelista de plantão, vou tentar imaginar os rumos dessa história... a não ser que haja uma reação forte por parte do movimento negro, logo veremos Carol se abrindo a sua amiguinha branca Marina sobre como foi boba em pensar que aquela paixãozinha vazia que sentia por André poderia ser algo mais. Agora que ela tinha um homem de verdade tudo ficou muito CLARO.

Mas não acaba por aí... Enquanto a mocinha jovem se delicia com o idoso (ou o contrário...); o mocinho de 30 e poucos se envolve com a adolescente rebeldezinha, sim... um romance se anuncia na vida de André, uma garotinha de uns 19 anos talvez está balançando o coração do rapaz, podemos chamá-lo assim por se tratar de um homem negro, eles jamais crescem, não pela sua idade... mas convenhamos, o que é essa onda das novelas?? Não existe mais vida sexual ou amorosa para as mulheres com 40 anos ou mais. A moda agora é que os homens maduros precisam de mulheres mais novas, ou melhor, as mulheres mais jovens precisam de um homem que as protejam. O mais engraçado é o horror da sociedade diante da pedofilia, mas será mesmo que ainda ficam horrorizados ou é melhor aceitar que as meninas andam muito saidinhas hoje em dia e homem... você sabe como são os homens...

Como era mesmo a regra do islã para o homem escolher a sua esposa?? A metade da sua idade menos sete anos, é isso?? Ainda bem que somos um país avançado onde as mulheres são respeitadas e tratadas como iguais... Não posso deixar de lembrar das palavras de Tom Zé nessas horas...

Em muitos países do mundo a garota
Também não tem o direito de ser.
Alguns até costumam fazer
Aquela cruel clitorectomia.

Mas no Brasil ocidental civilizado
Não extraímos uma unha sequer,
Mas na psique da mulher...
Destruímos a mulher.

(Proposta de amor)

Ser preto é moda!!! Concorda??

Resolvi escrever um pouco pra relaxar a minha tensão diante da manobra suja da Rede Globo de Televisão para jogar no lixo uma importante conquista dos negros do país e para promover um retrocesso no que se refere à questão de gênero. O lugar dos negros nas novelas brasileiras sempre foi um problema, muito antes de termos que aturar uma escrava branca, ser um ator negro nesse país era uma batalha quase vencida. Estávamos restritos à condição de empregad@s, escrav@s, figuantes, etc. Hoje conquistamos espaço importante nas mídias, porém isso parece estar sendo usado para apagar ou diminuir outras bandeiras de luta históricas e retomar políticas racistas, não mais por meios jurídicos e oficiais – afinal não seria possível e nunca foi a cara do racismo brasileiro – mas por meio da manipulação cultural, indireta e “ingênua”, bem ao gosto de nosso racismo hipócrita e velado.

Os textos seguintes se complementam e tentam problematizar essa questão, a partir de uma discussão sobre as novidades da novela Insensato Coração.



Alienação, manipulação, dominação... Bobagem é só uma brincadeira

Quando acho que as coisas estão mudando para as “minorias”, eis que a verdade (re)aparece e percebo que nada mudou. Às vezes demoramos pra notar, mas existem situações que saltam aos olhos em momentos onde estamos mais atentos e não podemos nos furtar a olhar e nos posicionar.

É o que está acontecendo agora comigo e as novelas. Sei que muitos torcem o nariz para novela, taxando de divertimento menor, alienante coisa de pobre, né gente??!... Porém não dá mais pra negar sua influência na nossa sociedade, qualquer observador descuidado pode comprovar... é só surgir um colarzinho diferente que todo mundo usa, aquele vestidinho com aquela estampa, o cachecol, enfim... pode perguntar em qual novela estão usando isso, certamente a influência não é direta do São Paulo Fashion Week. Felizmente nem toda a intelectualidade ignora a novela e seu potencial de “formadora de opinião”. O documentário Muito Além do cidadão Kane traz um dado que começou a me inquietar, ao falar sobre a novela Dancing Days, afirma que meses depois da sua estréia as casas noturnas de música disco se tornaram uma febre nas grandes cidades brasileiras. Elas brotaram quase que por milagre.

Até aí podemos dizer que não há motivo para preocupação, moda é algo quase tão fútil e sem importância quanto as novelas, certo??!! Acho que não!! Há algumas semanas me deparei com um dado que realmente me alarmou. George Martine, do Centro de Estudos Populacionais de Harvard atribui às novelas a redução extraordinária das taxas de natalidade no Brasil!! Uau!!! Isso mesmo: as novelas e seu endeusamento do encantador padrão de vida da classe média, tem exercido o papel dos programas de planejamento familiar que o governo jamais criou.

Depois de uma constatação como essa não podemos mais simplesmente ignorar as novelas! Por isso mesmo precisamos discutir e olhar melhor o que tem feito a cabecinha do povo brasileiro. Sempre que posso acompanho as novelas para conhecer o posicionamento do “senso comum” sobre temas polêmicos e duas tendências tem me preocupado bastante: o padrão dos casais, sobretudo no que se refere à idade; e a inserção do negro nessas mídias.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

O aborto das outras


Aborto é um tema que tenho evitado muito, mas volta e meia surgem argumentos tão assustadores que preciso me manifestar. Dessa vez foi a charge acima, feita por um amigo, João da Silva do Coletivo Miséria, que gerou uma discussão loooooonga e eu, como sempre, me empolguei na argumentação. Enfim taí...

O argumento de que devemos investir em políticas públicas para a formação das mulheres de modo que elas possam “escolher ficar grávidas ou não” é o mesmo absurdo egoísta que usam para negar políticas de ações afirmativas como as cotas. Dizemos às mulheres que estão grávidas contra sua vontade, assim como aos jovens negros e pobres que acabam na criminalidade: “aguardem que, talvez, netos ou bisnetos não precisarão passar por isso”. Será que isso é justo? Será que é o melhro que podemos exigir para amenizar os efeitos nocivos desse sistema cruel que só criou desigualdade e injustiça social?

Mas devemos perguntar o que acontece quando um homem engravida uma mulher “acidentalmente”? A maioria não tem nem mesmo a atitude hipócrita do personagem do João, a maioria “pula fora” totalmente, quantas vezes não ouvimos de um homem, quando perguntado se tem filhos: “Não que eu saiba (risos)”. Porque toda a responsabilidade sobre a reprodução e toda a carga ideológica acrescentada pelo cristianismo e por séculos de machismo devem pesar apenas sobre os ombros das Evas? Até quando continuaremos pagando pelo pecado original? Porque não é permitido também às mulheres “pular fora”?

Ninguém nem mesmo pensa em dar uma resposta a esse tipo de questão, afinal ser mãe é uma bênção divina que deve ser aceita como tal, não como um fardo, ser pai… bem… ser pai é outra história. Somos “pela vida”, eles dizem, e eu sempre me pergunto: pela vida de quem? Quando usamos esse argumento diante dos números assustadores de mulheres que morrem todos os dias em decorrência de complicações ao fazer abortos clandestinos ou quando bons cristãos se negam a atendê-las nos hospitais após fazê-los em casa, estamos agindo como o deputado de Caetano Veloso e Gilberto Gil vendo tanto espírito no feto e nenhum na mulher desesperada e abandonada que não aguentou o peso de ser responsável pelo milagre da vida de outro, vida que gerou sozinha, aparentemente.

Prova do machismo inerente aos argumentos contra a legalização do aborto é o fato de nunca em momento algum ter surgido a possibilidade de discutir a punição também dos genitores, aos “pais”. Então... porque não punir também o genitor que abandonou a mulher à própria sorte? Que tal as mulheres envolvidas na luta pró criminalização do aborto fazerem essa proposta aos homens que compartilham dessa opinião?

Não podemos continuar nos acusando e apontando, sem refletir. Queremos lutar pela vida dos futuros bebês? Então lutemos para que medidas políticas sérias sejam tomadas para evitar a necessidade de fazer abortos, mas sem intereferirmos no direito sagrado de decidir, opinar e escolher. Lembrando as palavras de Chico Buarque de Holanda – que já deveriam configurar um anacronismo no nosso contexto histórico, mas, infelizmente, está cada vez mais atual – talvez a vida não seja um fato consumado, porque não podemos inventar nossos próprios pecados e morrer do nosso próprio veneno? Até quando nos orientaremos pelo juízo dos outros? Percamos a cabeça, para podermos refazê-la a partir de nossos próprios valores.