terça-feira, 12 de março de 2013

Django Freeman??



Depois de assistir Django, além de estar ligeiramente sem alma, confesso que como mulher preta é impossível não ir pra cama com o próprio Django povoando meus sonhos mais íntimos de quem ainda acredita no amor entre homens e mulheres negras. Romances à parte, o filme gera uma mistura de sensações e instintos. Confesso ainda, que o ódio foi o sentimento mais presente em mim ao longo da sessão, não apenas pelo filme, mas também pela reação da plateia. Não pretendo fazer uma crítica ao filme, embora tenha muitas, positivas e negativas, quero apenas desabafar, já que realmente perdi o sono... 

Achei curioso como o personagem mais intrigante e triste de toda a história era o que gerava mais risos e revolta do público. Stephen (Samuel L. Jackson) era a materialização da doença causada pelo racismo, um negro absolutamente ciente se sua superioridade intelectual em relação aos seus senhores, mas que aceitava seu lugar, não com subserviência, mas com orgulho e altivez. Aceitava a posição de “um em 10 mil” que seu senhor tão generosamente concedeu à raça inferior que fez o favor de aceitar sob seu jugo. Stephen é um protótipo, uma experiência bem sucedida do uso eficaz dos grilhões que nos manteria presos e inertes, muito tempo após a abolição. 

Grilhões que carregamos orgulhosos até hoje, sobretudo nós negros intelectuais que “contrariamos a estatística”, superamos todas as amarras e nos sentimos imunes à essa história de privações, sofrimento e inferioridade. Evoluímos, e com isso, deixamos para trás o ancestral atrasado, assim como nossas origens e raizes, para abraçar a história que nos fizeram acreditar ser a melhor, esclareceram nossa mente e nos entrincheiraram em nossos próprios guetos nos matando, acusando e condenando uns aos outros pelo crime de que fomos vítimas, cujos verdadeiros culpados não somos capazes de condenar, pois é exatamente quem queremos ser quando crescermos (se é que algum dia isso vai acontecer). 

No Brasil ainda nos deram a chance de uma descendência mais pura, de um futuro limpo da herança africana. Nos EUA, onde a segregação tem cores bem mais fortes, isso não seria possível, talvez por isso mesmo Stephen não tinha filhos, família ou qualquer outra identificação além de seu senhor, exemplar genuíno da caridade da cristandade branca, ou seja, aquela caridade de quem se compadece dos descendentes malditos de Cam, mas, como bons cristãos, precisam cumprir a profecia. 

Obviamente o que ficou para boa parte do público foi o fato do negro velho e rabugento ter estragado os planos românticos do heroi. E, numa tentativa de leitura crítica, típica de leitores formados pela Veja ou pela Rede Globo, talvez eles tenham conseguido chegar ao velho e conhecido refrão: “os próprios negros são racistas, olha lá... Quem tem culpa?”. 

Para mim, o pior nem é a incapacidade da imensa maioria de enxergar além disso, mas sim eles não perceberem que seus argumentos não diferem nem um pouco dos discursos pseudocientíficos do desprezível Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), ambos não passam de tentativas desesperadas de transformar o maior crime da história da humanidade, o massacre de um continente inteiro, em uma fatalidade provocada pelos próprios massacrados e sua animalidade, ou sua capacidade intelectualidade inferior, sua tendência à servidão, sua ausência de alma, sua tendência ao crime... Enfim, ao longo da história outras justificativas surgirão até que vençamos definitivamente essa guerra.



 





2 comentários:

  1. Bom texto... Só espero que não seja descendente dos pseudo-intelectuais da Unicamp, aquele bando de hipócritas. Enfim, apenas corrija o "enchergar" trocando-o por "enxergar". Abraços

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    1. Obrigada pela correção,
      Bem, eu sou da Unicamp sim, tento não ser hipócrita, mas...
      Enfim, que bom que vc gostou do texto.

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