quarta-feira, 18 de maio de 2011

A patrulha da língua vem aí!!!!

Mais uma investida da classe média preconceituosa, burra e mal informada tentando prestar outro desserviço à sociedade oferecendo leituras desencontradas e manipuladas de fatos pensados e discutidos por pessoas preparadas. Estamos diante de uma situação extrema, quase estado de calamidade pública, pois, aparentemente estão atentando contra a nossa pura e imaculada, inculta e bela língua portuguesa. O pânico generalizado se instaurou com a publicação do livro “Por uma vida melhor” de Heloísa Ramos, patrocinado pelo MEC e que, segundo “especialistas” ensina um português errado aos alunos. Aparentemente a histeria se baseia apenas na afirmação da autora de que não é errado deixar de marcar o plural em todos os termos da oração, por exemplo, os “bons drink” de Luisa Marilac hahaha. Mas afinal é errado ou não? ? Uma observação casual de uma conversação informal pode responder à questão.

Não marcar o plural em todos os termos da oração, como o faz Luisa, não é simplesmente uma variedade do português FALADO, é antes uma CARACTERÍSTICA da língua portuguesa falada no Brasil. Não acredita?? Faça o teste, tente falar naturalmente, "os livros emprestados", talvez no Rio de Janeiro essa característica seja mantida, um pouco mais, devido à ênfase típica do sotaque carioca na fricativa /s/, porém em quase nenhuma variedade do português essa marcação é feita. Além disso, se os histéricos defensores da norma seja lá o que for tivessem respirado fundo, mantido o Olavo Bilac debaixo do braço e lido o livro até o final, perceberiam que ele não se furta a ensinar a norma culta. Aliás, aqui o debate vai além, ou seja, discute também outras variedades da língua, o que é mais que frutífero para o enriquecer ainda mais a história de nossa língua portuguesa “tupinambrasileirada”, na medida em que é sua riqueza e diversidade que nos permite oferecer igual riqueza e diversidade artística e cultural relacionada à língua escrita, por exemplo, as letras de rap, os grafites, os cordéis, os desafios de rimadores no nordeste, o samba... poderia citar inúmeros exemplos aqui, mas sei que bons puristas não levam em consideração produções "menores" como as que eu citei, algo quase primitivo feito para olhar e se por acaso passar pela cabeça doente do MEC incluir esse tipo de bobagem ignorante no material didático deve ser apenas para termos certeza do que NÃO fazer no que se refere à arte e literatura, certo? ? ?

Pois bem, então falemos de outros momentos, de outros desvios, de outros “crimes linguísticos” que todo purista conservador adooooooooora: João Guimarães Rosa, todos os poetas do modernismo, Patativa do Assaré, Adoniran Barbosa, enfim, também poderia passar um bom tempo aqui listando outros criminosos, que atentaram contra a última flor do Lácio, pobrezinha... Esses artistas hoje venerados pela crítica que por vezes os criticou com os mesmos argumentos que hoje apresentam contra a utilização do material lançado em salas de EJA. Uma iniciativa corajosa e inovadora de luta contra uma forma de preconceito das mais perniciosas, duras e burras, pois se essa “patrulha da língua” tivesse sucesso, hoje não poderíamos contar com esse legado de conhecimento e beleza construído a partir da liberdade que a língua tem e sempre terá, a despeito dos hipócritas de plantão que, certamente, se esbaldam de tanto comer ss por aí...

Lembro-me sempre da proposta de um professor para um novo programa de televisão, um reality show que juntasse toda essa galera da “patrulha da língua” para vermos por quanto eles sustentariam sua língua matemática, lógica, estanque e imutável... Não meus queridos, ensinar língua não é como ensinar tabuada, o português é nossa língua materna, é como dizemos “Te amo”; diga “Amo-te” à pessoa amada e veja a reação, veja se alcança o mesmo efeito de sentido. Grite “Somos nós!!!” para uma câmera de televisão após fazer um gol e veja se é possível se fazer entender... Acho que não, pois dita dessa forma essa é uma expressão errada, pois carece de um predicativo do sujeito, não há possibilidade de sentido aí, porém um bom “É nóis!!!!!” após um belo gol é uma expressão carregada de sentido, completa em si. Porém as comunidades discursivas que a utiliza não está preocupada com essas classificações, estão, como todos nós também deveríamos estar, voltadas para a produção de sentidos, para a comunicação e, claro, a arte.


Perceberam que acabei de dar uma aula de gramática usando o “crime” a que vocês se referiram, apontando possibilidades para as duas construções – “somos nós” e “é nóis”, mostrando seus lugares e usos ao invés de simplesmente taxar o que é o certo ou o errado? Contextualizando!!! Ensinar uma língua materna passa por mostrar suas possibilidades, sua flexibilidade e criar meios para que os jovens possam transitar por esses caminhos com propriedade e independência.

Só para terminar, um discursinho de autoridade

Aula de português

A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
e de entender.

A linguagem
na superfície estrelada de letras,
sabe lá o que ela quer dizer?

Professor Carlos Góis, ele é quem sabe,
e vai desmatando
o amazonas de minha ignorância.
Figuras de gramática, equipáticas,
atropelam-me, aturdem-me, seqüestram-me.

Já esqueci a língua em que comia,
em que pedia para ir lá fora,
em que levava e dava pontapé,
a língua, breve língua entrecortada
do namoro com a prima.

O português são dois; o outro, mistério.

(Carlos Drummond Andrade)


2 comentários:

  1. Arrasou Mari, mas infelizmente tenho que discordar do companheiro aí, que diz que o termo"classe média preconceituosa" pode soar separatista, mas não é isso que fazem? Ou eu to louco? Acho que não....separam e vão continuar a separar, aparthaid linguistico...hahahahaha...
    Bjos,
    Luiz Julião

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  2. É isso aí Luiz, mas eu entendo o receio do Loan, só acho que é importante marcarmos os preconceitos que já estão por aí. Como o Luiz falou é isso que tem acontecido. Negar a existência de um separatismo não resolve o problema, é importante retomar e rediscutir as questões por mais polêmicas e dolorosas que sejam. Afinal de sofrimento o povo brasileiro entende e a atitude de nossa classe média não ajudado em nada para atenuar essas dores.

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